A Proteção de Dados Pessoais nas Relações de Trabalho: Impactos da LGPD no Direito do Trabalho
- Natalia São João

- 6 de out.
- 3 min de leitura

A promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD) representou um marco normativo no Brasil ao instituir regras claras para o tratamento de dados pessoais por entes públicos e privados. Embora a discussão inicial tenha se concentrado no setor de consumo e no comércio eletrônico, a lei também repercute de forma significativa nas relações de trabalho, impondo aos empregadores novas obrigações quanto à coleta, ao armazenamento e ao uso das informações de seus colaboradores. Nesse sentido, a LGPD atua como instrumento regulatório que amplia a esfera de proteção da intimidade e da privacidade, em consonância com o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
No âmbito das relações laborais, a coleta de dados é prática corrente e se inicia ainda no processo seletivo, estendendo-se até a eventual rescisão contratual. Entre os dados frequentemente tratados encontram-se informações de identificação, dados financeiros, registros familiares e dados sensíveis, tais como convicções religiosas, filiação sindical e condições médicas. A LGPD, em seu art. 7º, condiciona o tratamento de dados pessoais à existência de uma base legal específica, exigindo que o empregador adote práticas transparentes e finalidades legítimas em todas as etapas da gestão de pessoas.
As bases legais aplicáveis ao contexto laboral são múltiplas. O cumprimento de obrigação legal ou regulatória (art. 7º, II, da LGPD) autoriza, por exemplo, a coleta de dados para elaboração da folha de pagamento ou para cumprimento de obrigações previdenciárias, como no caso das informações prestadas ao eSocial. A execução do contrato (art. 7º, V) constitui fundamento para o tratamento de informações essenciais à manutenção da relação empregatícia, como a concessão de férias e benefícios. O consentimento do titular (art. 7º, I), por sua vez, pode ser requerido em hipóteses residuais, como na utilização da imagem do empregado em campanhas institucionais. Já o legítimo interesse do controlador (art. 7º, IX) permite o tratamento de dados quando necessário para a segurança corporativa, desde que não prevaleçam direitos e liberdades fundamentais do trabalhador, em sintonia com os princípios da proporcionalidade e da finalidade.
O trabalhador, enquanto titular de dados, dispõe de um conjunto de direitos previstos nos arts. 18 e 20 da LGPD, entre os quais se destacam o direito de acesso, de retificação, de eliminação e de portabilidade. Como adverte Doneda (2019), a efetividade da lei depende da capacidade das organizações em viabilizar mecanismos céleres e acessíveis que garantam o exercício desses direitos, sob pena de esvaziamento da norma. Dessa forma, cabe ao empregador adotar fluxos internos que assegurem o atendimento das solicitações no prazo legal, fortalecendo a confiança na relação contratual.
A aplicação prática da LGPD nas relações de trabalho ainda enfrenta desafios expressivos. Conforme observa Mendes (2021), a ausência de uma cultura consolidada de proteção de dados no Brasil impõe às empresas o dever de investir em programas de conscientização, revisões contratuais e medidas técnicas de segurança da informação. Além disso, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada pela Lei nº 13.853/2019, desempenha papel essencial na fiscalização e na regulamentação complementar, especialmente no que se refere ao tratamento de dados sensíveis no ambiente laboral.
Em síntese, a LGPD deve ser compreendida não apenas como imposição legal, mas como vetor de modernização e ética empresarial. Ao implementar práticas estruturadas de governança em proteção de dados, as empresas não apenas evitam sanções administrativas (art. 52 da LGPD), mas também reforçam sua credibilidade institucional e demonstram respeito aos direitos fundamentais de seus colaboradores. O impacto da lei sobre as relações de trabalho evidencia uma mudança de paradigma, em que a privacidade do trabalhador passa a ser reconhecida como valor jurídico essencial à construção de ambientes laborais mais justos, transparentes e equilibrados.
| Natália São João





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