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Trabalho e Inteligência Artificial: o que o PL 2338/2023 propõe para proteger os trabalhadores

  • Foto do escritor: Natalia São João
    Natalia São João
  • há 2 dias
  • 3 min de leitura

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O Projeto de Lei nº 2338, de 2023, representa a principal proposta brasileira para regulamentar o desenvolvimento e o uso da Inteligência Artificial. Embora trate de temas amplos, um de seus eixos mais relevantes é a proteção ao trabalho e aos trabalhadores diante da automação crescente. O projeto parte do princípio da centralidade da pessoa humana e da necessidade de que a inovação tecnológica seja compatível com direitos fundamentais, limites éticos e garantias sociais. Nesse contexto, inclui diretrizes que procuram evitar que sistemas de IA prejudiquem, fragilizem ou discriminem trabalhadores nas relações de trabalho. 


Entre as diretrizes previstas, o projeto estabelece que o uso da IA deve ocorrer de maneira transparente, auditável e explicável. Decisões automatizadas que afetem emprego, avaliação de desempenho, promoções ou desligamentos precisam contar com supervisão humana adequada. Essa exigência busca impedir que algoritmos reproduzam vieses, erros ou práticas discriminatórias, garantindo que o trabalhador possa questionar, compreender e contestar decisões que impactem diretamente sua vida profissional. A proteção ao trabalho é mencionada expressamente como fundamento regulatório, reforçando que a adoção de IA deve respeitar a legislação trabalhista e preservar direitos já assegurados em lei. 


O texto também prevê que as autoridades reguladoras, especialmente o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial, coordenado pela ANPD, devem atuar em cooperação com o Ministério do Trabalho para estabelecer normas que considerem os riscos da automação sobre emprego, condições de trabalho e remuneração. Essa cooperação inclui a elaboração de regras para proteger trabalhadores envolvidos em todas as etapas do ciclo de vida da IA, desde atividades de coleta de dados até rotinas de anotação, rotulagem e validação. Além disso, o projeto aponta que a coleta de dados dos trabalhadores deve respeitar limites estritos, evitando uso abusivo de informações sensíveis, comportamentais ou emocionais. 


Outro ponto relevante é a preocupação com a substituição acelerada da força de trabalho. Algumas versões do texto contemplavam restrições a demissões em massa motivadas unicamente pela adoção de IA, bem como exigências de análise prévia de impacto sobre emprego. Embora parte dessas proteções tenha sido suavizada durante a tramitação, a diretriz geral permanece: o uso de IA não deve resultar em precarização laboral ou eliminação indiscriminada de postos de trabalho. O projeto também indica a necessidade de capacitação e atualização profissional, como forma de permitir que trabalhadores se adaptem à nova realidade tecnológica, prevenindo desigualdades estruturais associadas à exclusão digital. 


Apesar dessas intenções, o texto tem sido alvo de críticas. Organizações da sociedade civil, especialistas e entidades sindicais apontam que a versão atual apresenta termos vagos e pouco definidos, como “trabalhadores” e “condições de trabalho”, sem deixar claro quais vínculos, categorias ou setores são abrangidos. A ausência de salvaguardas mais explícitas sobre proteção trabalhista, negociação coletiva e limites à automação em larga escala também preocupa. Outro ponto sensível é que a governança prevista no projeto não garante participação social ampla no processo regulatório, privilegiando órgãos estatais e mecanismos de autorregulação que podem não refletir os interesses dos trabalhadores mais vulneráveis. 


Mesmo com essas insuficiências, o PL 2338/2023 inaugura um marco regulatório importante para o país: reconhece que a IA impacta profundamente o mundo do trabalho e que a proteção de quem trabalha deve fazer parte do centro do debate tecnológico. A efetividade dessas diretrizes dependerá da redação final aprovada na Câmara, da regulamentação posterior e, sobretudo, da capacidade de fiscalização e de participação social. O desafio é equilibrar inovação, competitividade e eficiência sem abrir mão da dignidade do trabalho humano. Em um cenário em que a automação avança rapidamente, a clareza das regras e a proteção concreta dos trabalhadores serão fatores decisivos para determinar se a IA será instrumento de desenvolvimento ou de aprofundamento das desigualdades. 


| Natália São João


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