Entre a confiança e a prova: o dilema da locação sem contrato
- Henrique Casarotto

- 17 de nov.
- 2 min de leitura

Em tempos de negociações rápidas e interações cada vez mais digitais, é comum que locações de imóveis ocorram apenas com base em conversas, mensagens ou acordos verbais. A aparente praticidade, porém, pode se transformar em uma grande dor de cabeça tanto para o locador quanto para o locatário.
A Lei do Inquilinato reconhece a validade da locação verbal, mas a ausência de contrato escrito torna quase impossível comprovar o que foi combinado: prazos, valores, reajustes, responsabilidades ou multas. Em caso de conflito, cada parte oferece sua própria versão e a disputa se torna desgastante, cara e difícil de resolver.
A informalidade fragiliza a relação e impede a utilização de garantias formais, como caução, fiador ou seguro-fiança. Reajustes arbitrários, desocupações inesperadas e litígios sobre manutenção também se tornam mais frequentes. Mas, hoje, o problema vai além do jurídico: envolve fiscalização automatizada do Fisco (Receita Federal, Secretarias de Fazenda Estaduais e Municipais).
Com o avanço do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), a Receita Federal passou a contar com uma base unificada, detalhada e atualizada de informações sobre imóveis e ocupantes. Esse cruzamento de dados fortalece o mecanismo conhecido como “locação presumida”.
A locação presumida ocorre quando o Fisco identifica, por meio do cruzamento automático de informações, que um contribuinte reside em determinado endereço que não está registrado em seu nome, enquanto o proprietário do imóvel não declara recebimento de aluguel. Nessas situações, a Receita presume que existe uma locação informal e pode intimar tanto o proprietário quanto o ocupante para prestar esclarecimentos.
Se o proprietário não comprovar que o imóvel está emprestado gratuitamente, situação que também exige documentação, é autuado por omissão de receita. As multas podem variar de 75% a 150% do imposto devido, somadas à cobrança retroativa de até cinco anos, com juros pela taxa Selic. O inquilino, por sua vez, também pode ser penalizado por não registrar o pagamento, sujeito a multa de 20%.
O CIB ainda permitirá maior controle sobre o valor de mercado dos imóveis, dificultando que locadores declarem valores de aluguel muito abaixo do real. Em outras palavras, a informalidade, antes vista como simples acordo privado, hoje pode ser detectada automaticamente, gerando autuações severas.
A locação informal, portanto, não é apenas juridicamente arriscada: ela cria condições ideais para que o Fisco presuma renda não declarada e desencadeie penalidades pesadas. A “palavra dada” não é suficiente diante de sistemas integrados e inteligentes de monitoramento.
Formalizar o contrato, inclusive com assinatura eletrônica, tornou-se não apenas uma proteção jurídica, mas também fiscal. Um contrato claro, com descrição completa do imóvel, prazos, valores, responsabilidades, forma de pagamento e garantia locatícia reduz conflitos e impede interpretações equivocadas. E, em locações superiores a três anos, o registro em cartório confere ainda mais segurança.
Confiar é essencial, mas confiança sem formalização tornou-se sinônimo de risco. A locação escrita é a forma mais eficiente de proteger relações, evitar litígios e impedir que a informalidade gere presunções automáticas de renda perante a Receita Federal. Em um ambiente de fiscalização digital, a cautela deixou de ser recomendação, tornou-se necessidade.
| Henrique Casarotto





Comentários